Um apelo maternal de Maria Santíssima à Ir. Lúcia de Fátima ecoa até os nossos dias em todo o orbe católico: desagravemos o Coração de nossa Mãe, tão ferido pelos pecados da humanidade!
Por José Manuel Gómez Carayol
Mais. Quem se aproxima das revelações feitas por
Nossa Senhora na Cova de Iria tem a forte impressão de que seu anúncio continua
a ecoar até nossos dias. “Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética
de Fátima esteja concluída”,1 asseverava
Bento XVI em sua viagem a Portugal no ano de 2010.
Sim, a mensagem de Maria perdura até a atualidade, e nos
conclama a não sermos indiferentes às suas maternais súplicas. Ora, entre
os anseios que Ela manifestou de forma mais ardente encontra-se
o da Comunhão reparadora dos primeiros sábados.
“Deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração”
A primeira referência que a Santíssima Virgem fez a esta
prática foi em julho de 1917. Estavam os três pastorinhos no local das
aparições acompanhados por uma numerosa multidão, pois a notícia acerca das
revelações já havia se espalhado pelas redondezas. Enquanto rezavam o
Terço, Nossa Senhora Se manifestou e lhes mostrou o inferno, indicando
o meio de impedir a perdição de tantas almas:
“Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a
devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser,
salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar. Mas, se não
deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. […]
Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado
Coração e a Comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus
pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo
mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados,
o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim,
o meu Imaculado Coração triunfará”.2
O sublime e incisivo discurso da Virgem Maria repercutiu a
fundo na alma das crianças como uma verdade indiscutível: eram palavras
da Mãe de Deus. Entretanto, como costuma acontecer com os anúncios
proféticos, os três pastorinhos, sobretudo a pequena Lúcia, ainda teriam muito
a esperar e confiar.
Com efeito, enquanto Francisco e Jacinta logo receberiam a
suprema recompensa na bem-aventurança celeste, Lúcia deveria cumprir uma
importante missão nesta terra. Isso também já havia sido avisado com
antecedência pela bondosa Senhora, ocasião em que aponta mais uma vez o caminho
elegido por seu Divino Filho para salvar as almas: “A Jacinta e o Francisco
levo-os em breve; mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se
de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a
devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação”.3
“O meu Coração está cercado de espinhos”
Assim aconteceu. Entre 1919 e 1920, seus primos
partiram deste vale de lágrimas. Lúcia, por sua vez, ingressou na
Comunidade das Irmãs Doroteias e, em 1925, passou a residir em Pontevedra,
Espanha. Iniciava-se seu longo itinerário na vida religiosa.
Foi nesse contexto que a Mãe de Deus manifestou-Se
mais uma vez à Ir. Lúcia, para mostrar como deveria se concretizar a
devoção ao seu Imaculado Coração, confirmando o anúncio feito oito anos
antes: a Comunhão reparadora dos primeiros sábados.
Com esta cena diante dos olhos, a religiosa ouviu
o Menino Deus lhe dizer: “Tem pena do Coração de tua Santíssima Mãe, que está
coberto de espinhos que os homens ingratos a todo momento Lhe cravam, sem haver
quem faça um ato de reparação para os tirar”.4
Em seguida, Maria uniu seus rogos aos de seu Divino
Filho: “Olha, minha filha, o meu Coração cercado de espinhos, que os homens
a todo momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me
consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro
sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me
fizerem quinze minutos de companhia, meditando nos quinze mistérios do Rosário,
com o fim de Me desagravarem, Eu prometo assistir-lhes, na hora da morte,
com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas”.5
Após encerrar-se a aparição, a vidente tomou as providências
para cumprir o mandato de Nossa Senhora. Por indicação de sua
superiora, a jovem Lúcia recorreu ao seu antigo confessor, Mons. Manuel
Pereira Lopes. No entanto, não querendo se comprometer com o pedido
dos Céus, este ordenou aguardar que aquela visão se repetisse e que
houvesse fatos comprovando-a. Ademais – por incrível que pareça –, alegou
não ser esta devoção tão necessária; afinal, já não havia muitas almas
recebendo a Eucaristia nos primeiros sábados e rezando o Rosário em honra da
Mãe de Deus?
Nova aparição do Menino Jesus
Paciente, a religiosa esperou nova
comunicação do Céu durante dois meses. No dia 15 de
fevereiro de 1926, enquanto executava alguns trabalhos no exterior do
convento, encontrou-se com uma criança que lhe fez esta
pergunta inesperada: “Tens espalhado, pelo mundo, aquilo que a
Mãe do Céu te pediu?”6
Nisto a religiosa reconheceu tratar-se do próprio Menino
Jesus. Contristada, apresentou os obstáculos postos por seus superiores;
em especial, o fato de muitas pessoas já praticarem, supostamente, esse ato de
piedade. Mas o Divino Infante reafirmou a importância da nova devoção,
mostrando no que consistia sua essência: a intenção de desagravar
o Imaculado Coração de Maria.
Disse Ele: “É verdade, minha filha, que muitas almas
começam [os primeiros sábados], mas poucas os acabam e as que
os terminam é com o fim de receberem as graças que aí estão
prometidas; e agradam-Me mais as que fizerem os cinco com
fervor e com o fim de desagravar o Coração da tua Mãe do Céu, que
as que fizerem os quinze [referindo-se aos mistérios do Rosário], tíbios e
indiferentes”.7
Infelizmente, mesmo diante de um apelo tão incisivo, muitos
dos que deveriam propagar essa devoção a acolheram com uma cruel frieza,
quais filhos ingratos diante das súplicas de sua Mãe.
Esclarecimentos e paternais concessões
Para aqueles que almejavam atender o apelo da Virgem
Santíssima também começaram a surgir certas dificuldades, que os
impossibilitavam de cumprir com exatidão o pedido feito por Ela. Alguns,
por exemplo, não conseguiam confessar aos sábados. Poderiam fazê-lo
na oitava? E se olvidassem a intenção reparadora no momento da
Confissão? O que deveriam fazer?
Imbuída da confiança que uma filha usa com seu pai, a
vidente pediu um esclarecimento a Nosso Senhor. Magnanimamente solícito e
desejoso de que essa devoção fosse praticada pelo maior número de pessoas, Ele
não só permitiu a Confissão dentro da oitava dos primeiros sábados, como deu
uma margem ainda maior: “Sim, pode ser de muitos mais [dias] ainda,
contanto que, quando Me receberem, estejam em graça e tenham a intenção de
desagravar o Imaculado Coração de Maria”.8
Ademais, os que por esquecimento deixassem de
formular a intenção mencionada, poderiam fazê-lo na Confissão seguinte,
aproveitando a primeira ocasião que tivessem para receber esse Sacramento.
Apesar dos esclarecimentos feitos nas últimas aparições,
outras questões ainda surgiriam. Estando sob a orientação do Pe. José
Bernardo Gonçalves, SJ, a Ir. Lúcia respondeu uma série de perguntas deste
sacerdote sobre os pedidos de Nossa Senhora. Graças a tais indagações, a
confidente de Maria Santíssima teve a oportunidade de esclarecer as razões
pelas quais essa devoção deveria ser praticada. Por exemplo, por que
cinco sábados, e não sete ou nove? A religiosa explicou serem cinco
as espécies de ofensas feitas ao Imaculado Coração de Maria: “As blasfêmias
contra a Imaculada Conceição; contra sua Virgindade; contra a Maternidade
Divina, recusando, ao mesmo tempo, recebê-La como Mãe dos homens; os que
procuram publicamente infundir, nos corações das crianças, a
indiferença, o desprezo e até o ódio para com esta Imaculada Mãe; e os
que A ultrajam diretamente nas suas sagradas imagens”.9
Um apelo dirigido a todo o mundo
Após idas e vindas, em setembro de 1939 o Bispo de
Leiria tornou pública essa prática reparadora. Apesar disso, a Irmã
Lúcia sabia ser da vontade de Nossa Senhora que ela não só
fosse conhecida em Portugal, mas se espalhasse por todo o mundo. Para
tal, fazia-se mister uma intervenção do Santo Padre. Eis como a religiosa
escreveu ao Pe. Gonçalves, em 1930: “Parece-me que o nosso bom Deus, no
fundo do meu coração, insta comigo para que peça ao Santo Padre a aprovação da
devoção reparadora que o próprio Deus e a Santíssima Virgem Se dignaram pedir
em 1925”.10
Com o auxílio do Bispo de Leiria, uma missiva
foi endereçada a Pio XII em 1940, exortando-o a cumprir dois ardentes
desejos da Virgem de Fátima: a Consagração da Rússia ao Imaculado Coração
de Maria e a propagação da Comunhão reparadora nos primeiros sábados:
“Santíssimo Padre! Venho renovar um pedido que foi já
levado várias vezes junto de Vossa Santidade. […] O pedido,
Santíssimo Padre, não é meu; é da nossa boa Mãe do Céu e de Nosso
Senhor. […] [Em 1925,] depois de uma revelação em que pediu para que
se propagasse no mundo a Comunhão reparadora nos primeiros sábados de cinco
meses seguidos, fazendo, com o mesmo fim, uma Confissão, um quarto de hora de
meditação sobre os mistérios do Rosário, e rezando um Terço com o fim de
reparar os ultrajes, sacrilégios e indiferenças cometidos contra o seu
Imaculado Coração, às pessoas que praticarem esta devoção, promete a nossa boa
Mãe do Céu assistir, na hora da morte, com todas as graças necessárias para se
salvarem. […]
“Aproveito, Santíssimo Padre, esta ocasião, para pedir a
Vossa Santidade que se digne tornar pública e abençoar esta devoção para todo o
mundo”.11
A responsabilidade de cada católico diante do apelo de Maria
Os conflitos da Segunda Guerra Mundial já convulsionavam
a Europa quando a missiva da Ir. Lúcia chegou ao Santo
Padre. Dir-se-ia que a realização das ameaças proféticas de
1917 serviria como um ultimato para que se atendesse finalmente o
apelo de Nossa Senhora.
Contudo, apesar de não sabermos com detalhes qual foi a
aceitação da carta na Roma Eterna, podemos afirmar que esta devoção
certamente não atingiu o alcance desejado por Maria Santíssima. Basta
olharmos para os frutos de nossa sociedade, imersa na mais sombria crise
moral que os séculos conheceram, para nos darmos conta de que o remédio que
evitaria a perdição de tantas almas foi alvo de insuficiente acolhida, nos
casos em que não chegou à consciente rejeição… Nem mesmo este tão
simples anseio de Maria foi plenamente atendido!
No entanto, se é verdade que muitos não quiseram ouvir as
palavras de Nossa Senhora nem desagravar seu Coração virginal, é ainda mais
certo que seu apelo se renova a cada um daqueles que ostentam o título
de filhos e escravos de Maria. Sobre eles paira a responsabilidade de
dizer sim a esta súplica. ◊
Notas
1 BENTO XVI. Homilia
no Santuário de Fátima, 13/5/2010.
2 IRMÃ LÚCIA. Memórias.
Fátima: Postulação, 1976, p.148.
3 IRMÃ LÚCIA. Memórias
e cartas. Porto: Simão Guimarães, 1973, p.401.
4 Idem, ibidem.
5 Idem, ibidem.
6 MARTINS, SJ, António
Maria. Novos documentos de Fátima, apud CARMELO DE COIMBRA. Um
caminho sob o olhar de Maria. 2.ed. Coimbra: Carmelo, 2017, p.170.
7 Idem, p.171.
8 IRMÃ LÚCIA, Memórias
e cartas, op. cit., p.401.
9 Idem, p.409-411.
10 Idem, p.405.
11 Idem, p.431.