Santa Teresa de Ávila e São Luís Maria Grignion de Montfort: Convergência Profética entre os Carismas de Teresa e Montfort sobre os Apóstolos dos Últimos Tempos
Introdução
Ao longo da história da espiritualidade cristã, alguns
santos foram tocados por visões e intuições que transcendem o seu tempo,
anunciando o que viria a ser a missão da Igreja nos tempos de maior provação.
Santa Teresa de Ávila (1515–1582), reformadora do Carmelo e mística, e São Luís
Maria Grignion de Montfort (1673–1716), profeta mariano e missionário
incansável, são duas colunas da espiritualidade católica que, cada qual à sua
maneira, prefiguraram o surgimento dos chamados “Apóstolos dos Últimos Tempos”.
Este artigo propõe-se a demonstrar como suas obras e visões convergem para uma
escatologia espiritual onde os filhos de Maria e da Cruz se levantarão com
força profética.
I. Santa Teresa de Ávila: uma profecia velada
Santa Teresa, em seus escritos — especialmente no Livro
da Vida, Caminho de Perfeição e Castelo Interior — não usa a
expressão “Apóstolos dos Últimos Tempos”, mas faz alusão direta à missão de uma
Ordem religiosa que, nos tempos futuros, sustentaria a fé diante de
perseguições e apostasia (Vida, cap. 40-41). Trata-se de uma profecia interna e
alegórica, onde a imagem de religiosos armados espiritualmente resiste aos
ataques contra a fé. Teresa escreve:
“Foi-me dado a entender o grande proveito que, nos últimos
tempos, há de fazer uma Ordem e a fortaleza com que seus filhos hão de
sustentar a Fé”.
Esta visão é entendida por muitos teólogos carmelitas, como
o Pe. Jerónimo de San José, OCD, como uma referência direta à própria reforma
carmelita. A linguagem militar, a ênfase na oração e na vida interior, e o
espírito de martírio espiritual formam os contornos de uma elite mística
destinada a resistir às forças da dissolução e heresia.
II. São Luís de Montfort: profeta dos Apóstolos Finais
Dois séculos depois, São Luís Maria Grignion de Montfort, em
seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, fala abertamente
da vinda de “Apóstolos dos Últimos Tempos”. Estes serão formados por Maria,
viverão da Eucaristia e agirão como instrumentos afiados na mão de Deus:
“Serão como nuvens trovejantes, voando pelo ar ao menor
sopro do Espírito Santo; pregarão a verdadeira devoção à Santíssima Virgem; por
meio dela, esmagarão a cabeça da serpente infernal”.
Montfort via esses apóstolos como filhos prediletos de
Maria, libertos do mundo e abrasados pelo fogo do Espírito. São descritos como
homens escondidos, humildes e poderosos em oração, moldados na escola de Maria
— ou seja, como aqueles formados no espírito do Carmelo.
III. Convergência Espiritual e Teológica
Fundamento da Convergência Profética
A expressão “convergência profética entre os carismas de
Teresa e Montfort” indica que, embora Santa Teresa de Ávila e São Luís Maria de
Montfort nunca tenham se encontrado nem dialogado diretamente, seus carismas —
isto é, os dons espirituais específicos que receberam de Deus para edificar a
Igreja — apontam para uma mesma realidade profética: a preparação de uma
geração de cristãos radicais, profundamente marianos e dados à vida interior,
que atuariam em tempos de crise e apostasia.
Essa convergência se manifesta por diversas vias:
- Ambos apontam para os “últimos tempos”: Teresa, ao falar de uma Ordem que sustentará a fé em tempos de escuridão; Montfort, ao descrever os “Apóstolos dos Últimos Tempos” como combatentes espirituais forjados por Maria.
- Ambos fundamentam tudo na vida interior e na oração: Teresa estrutura a alma pela oração contemplativa e desapego interior; Montfort molda os corações pelo abandono a Maria e à vontade divina, na forma de consagração total.
- Ambos preveem um combate espiritual: Teresa usa linguagem bélica para descrever os carmelitas como soldados de Cristo; Montfort retrata seus apóstolos como “nuvens trovejantes” que esmagarão o demônio.
- Ambos veem Maria como essencial: Para Teresa, Maria é mestra da oração e presença maternal constante; para Montfort, Ela é o caminho mais rápido, seguro e perfeito até Cristo.
Logo, a convergência é profética porque, mesmo sem contato
direto, ambos foram inspirados por Deus a lançar fundamentos distintos (um mais
contemplativo, outro mais missionário) que se completam num único edifício
escatológico: a geração dos “últimos santos”.
Ambos os santos apontam, sob formas diferentes, para a
emergência de uma geração mística, militante e profundamente mariana. Santa
Teresa oferece a estrutura interior: a alma que luta contra si mesma e encontra
Deus nas profundezas da oração. Montfort, por sua vez, projeta essa alma na
missão profética e militante, combatendo o erro e difundindo a verdadeira
devoção a Maria.
Ambos falam em linguagem de combate, sacrifício,
radicalidade evangélica. Ambos veem a figura de Maria como essencial para a
missão da Igreja. E ambos acreditam que, nos tempos de maior treva, Deus
suscitará santos extraordinários.
Essa convergência sugere que os apóstolos de Montfort
poderiam perfeitamente ser os filhos espirituais de Teresa: contemplativos em
ação, marianos na essência, e dispostos ao martírio interior e exterior.
IV. Aproximações com as Aparições Marianas Contemporâneas
As aparições marianas dos séculos XIX e XX — La Salette,
Fátima, Akita — reforçam a ideia de um combate final entre a luz e as trevas, e
a emergência de uma geração fiel, pequena e profundamente mariana. Em La
Salette, Nossa Senhora fala de “apóstolos dos últimos tempos” com linguagem
muito semelhante à de Montfort. Em Fátima, o chamado à penitência, à oração do
Rosário e à consagração mariana ecoa tanto Teresa quanto Montfort. Em Akita, a
advertência de uma apostasia vinda de dentro da Igreja remete à fortaleza
espiritual que Teresa profetiza.
Há uma linha de continuidade entre os escritos desses santos
e as mensagens das aparições aprovadas, configurando uma escatologia mística
que não anuncia o fim do mundo, mas o surgimento de um remanescente fiel.
V. Implicações para hoje
O Carmelo reformado e a espiritualidade montfortina estão
hoje presentes no seio da Igreja, mas muitas vezes de modo paralelo. Uma
recuperação dessa convergência poderia gerar uma formação espiritual nova,
voltada para os “últimos tempos” — seja ele interpretado como escatologia
propriamente dita, seja como tempo de apostasia cultural. O cristão dos últimos
tempos será, necessariamente, um místico e um mariano. E nisso, Teresa e
Montfort são seus guias seguros.
Conclusão
Santa Teresa de Ávila e São Luís Maria de Montfort,
separados por tempo e espaço, convergem numa visão comum: a de que Deus
suscitará, por meio de Maria, almas consagradas, puras, fortes, ocultas e
abrasadas de zelo, que agirão como apóstolos num tempo de trevas. Teresa
preparou o terreno; Montfort anunciou os frutos. Juntos, fornecem as chaves
para compreender a vocação dos santos do futuro — santos para os quais o
Carmelo e a consagração mariana não são acessórios, mas a própria espinha
dorsal de sua identidade missionária.
Referências Bibliográficas
- Teresa de Ávila, Livro da Vida, cap. 40-41, ed. Vozes.
- Teresa de Ávila, Caminho de Perfeição, cap. 5, ed. Vozes.
- Teresa de Ávila, Castelo Interior, Sextas Moradas, cap. 4.
- São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, ed. Paulus.
- Pe. Jerónimo de San José, Historia de la Reforma del Carmelo Descalzo.
- José Tomás de la Cruz, OCD, La mística de Santa Teresa y la profecía eclesial, Ed. Monte Carmelo.
- René Laurentin, Les temps de la Vierge, Fayard.
- Michel Corteville e Pierre Roberdel, La Vraie Histoire de Mélanie de La Salette.
- Congregação para a Doutrina da Fé, O Significado das Aparições de Fátima, Documentos Pontifícios.
- Aikyo Fujisawa, Akita: A Message for the World, Franciscan Mary Press.