O Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, capítulo I

Capítulo I
Necessidade da Verdadeira Devoção a Maria

Com toda a Igreja confesso que Maria, sendo apenas uma simples criatura saída das mãos do Altíssimo, não é nada em comparação com a sua majestade infinita, visto que só Deus é “Aquele que é”.

Esse grande Senhor, sempre independente e suficiente de Si mesmo, não teve e nem tem necessidade de da Santíssima Virgem para o cumprimento de Suas vontades e para a manifestação de Sua glória Basta-lhe querer para tudo fazer.

No entanto, depois de ter criado a Santíssima Virgem, Deus quis começar e concluir Suas maiores obras por meio dela. Sendo assim, é razoável crer que Ele não mudará Sua conduta em todos os séculos.


Primeiro princípio: Deus deseja servir-se de Maria na Encarnação
Deus Pai e Maria

Deus Pai deu ao mundo o seu Unigênito por Maria. O Filho de Deus se fez homem para nos salvar, mas foi em Maria e por Maria. Deus Espírito Santo formou Jesus Cristo em Maria, mas só depois de lhe ter pedido seu consentimento por meio de um dos primeiros ministros da sua corte (o Arcanjo Gabriel).

Deus Filho e Maria

Deus feito homem encontrou a Sua liberdade ao se ver aprisionado no seio de Maria. Glorificou a Sua independência e majestade ao depender dessa amável Virgem na Sua concepção, no Seu nascimento, na Sua apresentação no templo, na Sua vida oculta de trinta anos e até a Sua morte. Maria devia assistir a essa morte, para que Jesus fosse imolado com o seu consentimento ao Pai Eterno, como outrora Isaque pelo consentimento de Abraão à vontade de Deus. Foi Ela que o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós.

Nas bodas de Caná, Jesus mudou a água em vinho, atendendo ao humilde pedido de sua Mãe; e este foi o Seu primeiro milagre [em público] na ordem natural. Ele começou e continuou os Seus milagres por Maria; e por Ela os continuará até o fim dos séculos.

Deus Espírito Santo e Maria

O Espírito Santo tornou-se fecundo por Maria, a quem desposou. Foi com Ela, n’Ela e d’Ela que formou a Sua obra-prima: o Deus feito homem. Embora não tenha qualquer necessidade da Virgem Santa, o Espírito Santo quer servir-se dela, para produzir nela e por Ela Jesus Cristo e os Seus membros.

Segundo princípio: Deus deseja servir-se de Maria na santificação das almas
A obra da Santíssima Trindade em Maria

Deus Filho comunicou à sua Mãe tudo o que adquiriu pela Sua vida e morte, pelos Seus méritos infinitos e pelas Suas virtudes admiráveis. Ele a tornou tesoureira de tudo o que o Pai lhe deu como herança. É por meio de Maria que Jesus aplica os Seus méritos aos Seus membros que comunica as Sua virtudes e distribui as Suas graças.

Deus Espírito Santo comunicou a Maria, sua fiel esposa, os Seus dons inefáveis, e escolheu-a para dispensadora de tudo quanto possui. Sendo assim, Ela distribui a quem quer, quanto quer, como e quando quer todos os seus dons e graças.

É certo que Nosso Senhor, no Céu, é tão filho de Maria como o foi na Terra. Conservou, portanto, a submissão e a obediência do mais perfeito de todos os filhos para com Maria, a melhor das mães. Porém, devemos ter cuidado para não ver nessa dependência algum rebaixamento de Jesus ou alguma imperfeição. Maria, estando infinitamente abaixo de Seu Filho, que é Deus, não manda n’Ele como uma mãe da Terra mandaria em seu filho, que está abaixo dela. Por isso não pede, não quer, não faz nada que seja contrário à eterna e imutável vontade de Deus.

Maria é Rainha

No Céu, Maria comanda os anjos e os bem-aventurados, como recompensa da sua profunda humildade (Lc 1, 48). É vontade do Altíssimo, que exalta os humildes, que o Céu, a Terra e os infernos se curvem, de boa ou de má vontade, às ordens da humilde Maria.

Deus por Pai, Maria por Mãe

Como na geração natural e corporal há um pai e uma mãe, assim também na geração sobrenatural e espiritual há um pai, que é Deus, e uma mãe, que é Maria. Todos os verdadeiros filhos de Deus e predestinados têm a Deus por pai e a Maria por mãe; e quem a não tem por mãe, não tem Deus por pai.

Consequência: Maria é necessária aos para conseguir a salvação
1) A devoção à Virgem Maria é necessária a todos para salvar-se

Sendo a Santíssima Virgem necessária a Deus, duma necessidade que se chama hipotética, em consequência da Vontade Divina, é preciso concluir que Ela é muito mais necessária aos homens para alcançarem o seu fim último. Em razão disto, não se deve confundir a Devoção à Santíssima Virgem com a devoção aos outros Santos, como se Ela não fosse muito mais necessária, e fosse apenas um acréscimo.

Poderia relatar aqui vários fatos que comprovam isso. Entre outros, o que vem narrada nas crônicas de São Francisco: estando ele em êxtase, viu uma grande escada que ia até o Céu, e em cujo topo estava a Santíssima Virgem. Foi-lhe dado a entender que é preciso subir por essa escada para chegar ao Céu.

 2) É ainda mais necessária àqueles que são chamados a uma particular devoção a uma particular perfeição de vida

Se a Devoção à Santíssima Virgem é necessária a todos os homens simplesmente para conseguirem a salvação, o é ainda muito mais àqueles que são chamados a uma perfeição particular.

3) A Devoção à Virgem Maria é particularmente mais necessária nestes últimos tempos

A salvação do mundo começou por Maria, e é por Maria que deverá ser consumada. Maria deve brilhar mais do que nunca em misericórdia, em força e em graça nestes últimos tempos.

Em razão disso é que o demônio intensifica todos os dias seus esforços e combates, visto saber bem que tem pouco tempo (Ap 12, 12) para perder as almas. O inimigo mais terrível que Deus constituiu contra o demônio é Maria, sua Santa Mãe. O que Lúcifer perdeu por orgulho, Maria ganhou pela sua humildade; o que Eva condenou e perdeu pela desobediência, Maria salvou pela obediência.

“Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a d’Ela; Ela te esmagará a cabeça, e tu armarás ciladas ao seu calcanhar”. (Gn 3, 15).

Contínua em outra postagem.

Tradução do original em francês: Traité de la Vraie Dévotion a la Sainte-Vierge, par le vénérable serviteur de Dieu, Louis-Marie Grignion de Montfort, troisième, Gaume Frères libraires-èditeurs, 1846.

0 comments