A consagração da Rússia não feita: o comunismo continua espalhando seus erros pelo mundo



Interpretação que teria feito a Irmã Lúcia


Desde 1984 até a queda do Muro de Berlim, a Irmã Lúcia sustentou que nenhuma das consagrações feitas até então tinha sido “válida” (no sentido de terem atendido aos requisitos postos por Nossa Senhora).

Numa entrevista concedida em 1985 à revista Sol de Fátima, ela declarou peremptoriamente, a respeito das que foram realizadas por João Paulo II em Fátima (1982) e em Roma (1984): “Não houve a participação de todos os Bispos nem foi mencionada a Rússia”.


Contudo, o Cardeal Tarcísio Bertone transcreveu posteriormente, na sua apresentação a um opúsculo sobre a mensagem de Fátima, uma carta que a vidente teria escrito em 8 de novembro de 1989, na qual ela teria afirmado: “Sim [a consagração] está feita tal como Nossa Senhora a pediu, desde o dia 25 de março de 1984”.
E num colóquio do purpurado com a Irmã Lúcia, ela teria declarado: “Já disse que a consagração desejada por Nossa Senhora foi feita em 1984, e foi aceita no Céu”.

Segundo o mesmo purpurado, tal aceitação teria sido manifestada à Irmã Lúcia numa aparição de Nossa Senhora, mas tal aparição não figura nos pormenorizados relatos que o próprio Cardeal Bertone fez de seus colóquios com a vidente.

Paira, portanto, séria dúvida quanto à realidade dessa manifestação celeste, e é legítimo conjecturar que, ao reavaliar o ato de João Paulo II em 1984, a Irmã Lúcia se tenha deixado influenciar pela atmosfera de otimismo que se difundiu no mundo após o colapso do império soviético.


Cabe destacar que a Irmã Lúcia não gozava do carisma da infalibilidade na interpretação da altíssima mensagem que recebeu.
Por isso competia mais aos historiadores, teólogos e pastores da Igreja analisar a coerência dessas suas declarações, recolhidas pelo Cardeal Bertone, com suas declarações anteriores (A.A. Borelli Machado, op.cit. Ed. Instituto Santo Condestável, Coimbra, 2015, pp. 104-107).

No entanto, podemos constatar uma coisa certíssima: os frutos da consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, anunciados por Nossa Senhora, estão longe de se terem materializado — não há paz no mundo.

Pelo contrário, as tensões internacionais — notadamente entre a China e os EUA — têm aumentado ao ponto de o Papa Francisco afirmar, em várias ocasiões, que estamos vivendo uma verdadeira “terceira guerra mundial, mas em fragmentos”.

O comunismo continua espalhando seus erros pelo mundo


É um país que autoriza os ventres de aluguel; tem a maior taxa registrada de abortos do mundo (60% das gravidezes terminam em aborto, sendo 20% deles praticados por menores de 18 anos); uma das maiores taxas do mundo em divórcios por habitante (4,2/1000); a maior proporção de divórcios por casamentos (61%); a maior porcentagem mundial de alcoolismo (dois milhões de alcoólatras); alcoolismo que é responsável pela metade das mortes entre 15 e 54 anos, que é a expectativa média de vida para os homens.


Como se tudo isso não bastasse, seus atuais dirigentes não renunciaram aos erros do comunismo, e sua elite política e intelectual olha para o passado soviético com nostalgia.

Vladimir Putin chegou a declarar que a extinção da União Soviética foi o maior desastre geopolítico do século XX.

Compreende-se, portanto, que em 2016, tendo já em vista o centenário das aparições de Fátima, Dom Athanasius Schneider, bispo-auxiliar de Astana (Cazaquistão), tenha declarado em uma entrevista ao site Rorate Cɶli:
“Temos de rezar para que o Papa em breve consagre explicitamente a Rússia ao Imaculado Coração de Maria, para que Ela triunfe”.

No próprio ano do centenário (2017), em uma palestra sobre a mensagem de Fátima pronunciada por ocasião do Rome Life Forum, o Cardeal Raymond Leo Burke instou os participantes a se consagrarem ao Imaculado Coração de Maria e a “trabalhar pela consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria [...].
“Hoje, mais uma vez, ouvimos o chamado de Nossa Senhora de Fátima para consagrar a Rússia ao seu Imaculado Coração, de acordo com suas instruções explícitas”.

Interrogado pelo jornal The Wanderer sobre se esse pedido correspondia a mais do que o ato do Papa simplesmente mencionar a Rússia de modo explícito, o cardeal americano respondeu, em termos inequívocos, acreditar que o Papa João Paulo II desejava atender ao pedido de Nossa Senhora, pois estava ciente da gravidade da situação e da necessidade de consagrar a Rússia ao Imaculado Coração de Maria.

Mas na época se argumentava que, a fim de promover um relacionamento mais amigável com os países do bloco oriental, o nome da Rússia não deveria ser mencionado em particular: “Acredito que era a intenção do Santo Padre consagrar realmente a Rússia.
“No entanto, também acredito que, dada a situação em que nos encontramos hoje, a consagração da Rússia deve ser feita explicitamente, exatamente como Nossa Senhora solicitou (o que não implica negar a intenção de João Paulo de incluir a Rússia, quando ele consagrou o mundo ao seu Imaculado Coração).
“[...] Minha intenção não é levantar acusações contra ninguém, mas insistir na necessidade de realizar o que Nossa Senhora pediu, exatamente como Ela pediu, em resposta à atual situação, que é tão grave”.

Consagração da Rússia, hoje mais necessária do que nunca


Na edição via Internet do recente Rome Life Forum, o Cardeal Burke fez uma palestra intitulada “Fátima: a resposta do Céu para um mundo em crise”.


Ele aproveitou a ocasião para questionar o papel do Partido Comunista chinês na gênese da pandemia da covid-19, sua influência sobre a Organização Mundial da Saúde e sua dominação imperialista sobre outras nações: “A consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria é hoje mais necessária do que nunca.
“Quando testemunhamos como o mal do materialismo ateu, cujas raízes estão na Rússia, dirige de maneira radical o governo da República Popular da China, reconhecemos que o grande mal do comunismo deve ser curado em suas raízes através da consagração da Rússia como Nossa Senhora ordenou.
“[...] Reconhecendo a necessidade de uma conversão total do materialismo ateu e do comunismo a Cristo, permanece urgente o apelo de Nossa Senhora de Fátima para que a Rússia seja consagrada ao seu Imaculado Coração, de acordo com suas instruções explícitas”.


Ecoando esse apelo à conversão, Dom Athanasius Schneider compôs e divulgou pelas mídias sociais, em junho passado, uma oração que recomendo a todos rezar frequentemente: 

“Ó Imaculado Coração de Maria, Vós sois a santa Mãe de Deus e nossa terna Mãe. Considerai a angústia em que vivem a Igreja e toda a humanidade por causa da disseminação do materialismo e da perseguição à Igreja. Em Fátima, Vós alertastes contra esses erros ao falar sobre os erros da Rússia. Vós sois a Medianeira de todas as graças. Implorai ao vosso Divino Filho para que Ele conceda esta graça especial ao Papa: que ele consagre a Rússia ao vosso Imaculado Coração, a fim de que a Rússia se converta, um período de paz seja concedido ao mundo, e o vosso Imaculado Coração triunfe através de uma renovação autêntica da Igreja, pelo esplendor da pureza da fé católica, pela sacralidade do culto divino e pela santidade da vida cristã. Ó Rainha do Santo Rosário e nossa doce Mãe, voltai vossos olhos misericordiosos para nós e ouvi graciosamente esta nossa oração confiante. Assim seja”.

FIM DA SÉRIE 

Pe. David Francisquini
Sacerdote diocese de Campos,
Publicado em CATOLICISMO, Agosto 2020.

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