Além do culto de veneração, de amor, de gratidão, de invocação e de
imitação, à Virgem SS. é devido, como Rainha de todo o universo, um
culto de escravidão. É este último ato de culto mariano que sintetiza todos
os demais.
- O escravo fiel à sua Rainha, se realmente o é, venera-a antes
de tudo, reconhecendo sua singular excelência.
- Em
segundo lugar, ama-a e faz tudo o que a agrada, evitando tudo o que possa
aborrecê-la.
- Enche-se
de gratidão por
Ela, devido aos grandes favores que dela recebeu.
- Está
cheio de confiança em
sua Rainha, se sabe que Ela conhece, pode e quer socorrê-lo em todas as
suas necessidades.
- O servo
fiel à sua Rainha, enfim, se o é realmente, trata de imitá-la, uma vez que reconhece n’Ela o seu modelo
ideal.
Eis aqui, portanto, como o ato de escravidão sintetiza todos os
outros atos do culto singular que devemos a Maria SS., Mãe de Deus, Mãe dos
homens, Corredentora do gênero humano, dispensadora de todas as graças divinas,
modelo insuperável de nossa vida.
No conhecido Salmo 44, em que se celebram as núpcias do Rei messiânico,
o autor inspirado não se esquece de ressaltar o culto de servidão tributado ao
Rei incomparável e à Rainha, sua esposa, representada à sua direita. Diz-se do
Rei que a ele se submeterão os povos (v. 6); põe-se de relevo a homenagem que
lhe tributam suas filhas (v. 9). Depois, referindo-se à Rainha, o hagiógrafo nota
como os habitantes de Tiro, uma das cidades ricas de então, vêm a Ela com seus
presentes, e como os próceres do povo tratam de conquistar o seu favor (v. 13).
Em outra parte, a Rainha é representada com um cortejo de virgens à sua volta,
companheiras e servas suas, símbolo evidente daquela inumerável corte de almas
— todas as almas verdadeiramente cristãs — que haveriam de servi-la.
Em outro lugar, prediz-se que todos os povos hão de servir o Rei
messiânico: “Omnes gentes servient ei” (Sl 72, 11).
Ora, não deveria dizer-se o mesmo da Rainha, Mãe e Esposa sua? Assim
como Ela compartilha com Ele o domínio real sobre todas coisas, assim também
deve compartilhar com Ele o culto de escravidão que lhe temos de tributar todos
nós, já que o Rei e a Rainha constituem uma única pessoa moral.
“Tantas são as criaturas que servem a Maria quantas
são as que servem a Santíssima Trindade.”
O primeiro dos Padres da Igreja que se declarou
expressamente “servo de Maria” foi, ao que
parece, o diácono S. Efrém, o Sírio (306-373), chamado de “sol dos
Sírios”, “harpa do Espírito Santo”, “o cantor de Maria”. Depois de proclamá-la
“Senhora de todos os mortais”, S. Efrém se declara humildemente um “indigno
servo seu”. Em seu primeiro canto de louvor a Maria, o santo lhe dirige esta
ardente oração:
Ó Imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, Rainha do universo, esperança dos
mais desesperados, gloriosíssima, ótima e honorabilíssima Senhora Nossa! Ó
grande Princesa e Rainha, incomparável Virgem, puríssima e castíssima Senhora
de todos os senhores, Mãe de Deus, nós nos entregamos e consagramos ao vosso
serviço desde nossa infância. Levamos o nome de servos vossos.
Não permitais, pois, que Satanás, o espírito maligno, nos arraste para o
inferno. Enchei de agora em diante a minha boca, ó Santa Senhora, com a doçura
da vossa graça. Aceitai, ó Virgem Santa, que o teu humílimo servo vos louve e
vos diga: Saúdo-vos, ó vaso magnifico e precioso de Deus! Saúdo-vos, Maria,
Soberana minha cheia de graça! Saúdo-vos, Soberana de todas as criaturas!
Saúdo-vos, cântico dos querubins, doce harmonia dos anjos! Saúdo-vos, hino dos
solitários! Saúdo-vos, Soberana, que tendes em mãos o cetro sobre os vossos
fiéis servos!
Fundamentos racionais. O fundamento último do culto mariano de singular servidão apóia-se no
domínio completamente singular que a bem-aventurada Virgem exerce sobre todas
as criaturas, como Rainha do universo. “O servo”, observa o Angélico, “diz
relação a seu Senhor”. Onde há, pois, uma especial razão de senhorio e de
domínio, haverá também uma razão especial de servidão.
Ora, que na Virgem SS. exista uma especial razão de domínio e de
senhorio sobre todas as coisas, é algo que se segue de sua universal realeza.
Podemos, portanto, concluir com Dionísio, o Cartuxo: “Ela domina e pode mandar
em todas as criaturas, no céu e na terra”; ou com S. Bernardino de Sena: “Tantas
são as criaturas que servem a Maria quantas são as que servem a SS. Trindade”.
Viver na presença de Maria é viver, com maior
facilidade, na presença de Deus.
O servo fiel de qualquer rainha da terra está contínua e habitualmente
perto dela, sem nunca abandoná-la. É isto que tem de fazer, de modo análogo, o
servo fiel da Rainha dos céus. Deve estar sempre junto d’Ela, não perdê-la nunca
de vista, ou seja, deve ter o seu pensamento constantemente n’Ela. Pensar
habitualmente em Maria SS. lhe tornará mais fácil pensar habitualmente em
Deus. Viver, pois, na presença de Maria é viver, com maior
facilidade, na presença de Deus.
Ora, o meio mais eficaz para vivermos assim, continuamente — tanto
quanto for possível —, na presença de Maria, é estar profundamente persuadido
de que a Virgem SS., de uma maneira misteriosa, está sempre presente em
cada um de nós, com o pensamento, com o afeto, com as ações. Ela está
conosco
- pelo pensamento, já que continuamente nos vê em Deus;
- pelo afeto, pois está presente ali onde está o seu amor, e a Virgem SS. nos ama a todos com um amor inefável de Mãe; e
- pelas ações, uma vez que todas as graças que preservam e fazem desabrochar a nossa vida sobrenatural passam, como por um canal, pelas mãos de Maria.
Referências
Transcrito e adaptado da obra La Madre de Dios según la Fe y la
Teología. Trad. esp. de Eduardo Espert. 2.ª ed., Madrid: Apostolado de la
Prensa, 1958, vol. 2, pp. 363-389.
Por Pe. Gabriel M. Roschini
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