Por fim, temos a última
aparição em Tuy.
A qual abóbada remata e
sintetiza toda a mensagem nessa visão deslumbrante que compendia num só e único
olhar o mistério da Trindade, o sacrifício redentor da Cruz, o sacrifício
eucarístico e a presença e participação singular de Maria sob a cruz, com o Seu
Coração Imaculado em todo este mistério da salvação do mundo.
Conta Ir. Lúcia:
– Eu tinha pedido e
obtido licença das minhas Superioras e Confessor para fazer a Hora Santa das 11
à meia-noite, de quintas para sextas-feiras. Estando uma noite só, ajoelhei-me
entre a balaustrada, no meio da capela, a rezar, prostrada, as Orações do Anjo
(...). Sentindo-me cansada, ergui-me e continuei a rezá-las com os braços em
cruz. A única luz era a da lâmpada.
De repente iluminou-se toda a Capela com uma
luz sobrenatural e sobre o Altar apareceu uma Cruz de luz que chegava até ao
teto. Em uma luz mais clara via-se, na parte superior da cruz, uma face de
homem com corpo até a cinta, sobre o peito uma pomba também de luz e, pregado
na cruz, o corpo de outro homem. Um pouco abaixo da cinta, suspenso no ar,
via-se um cálice e uma hóstia grande, sobre a qual caíam algumas gotas de
sangue que corriam pelas faces do Crucificado e duma ferida do peito.
Escorregando pela Hóstia, essas gotas caíam dentro do Cálice. Sob o braço
direito da cruz estava Nossa Senhora, “era Nossa Senhora de Fátima com o Seu
Imaculado Coração... na mão esquerda... sem espada, nem rosas, mas com uma
Coroa de espinhos e chamas...”, com o Seu Imaculado Coração na mão... Sob o
braço esquerdo da cruz, umas letras grandes, como se fossem de água cristalina
que corresse para cima do Altar, formavam estas palavras: “Graça e
Misericórdia”.
Compreendi que me era mostrado o mistério da Santíssima Trindade
e recebi luzes sobre este mistério que não me é permitido revelar.
É interessante notar como
esta representação da Trindade na Cruz é chamada na iconografia cristã “Trono
da Graça”, pela evocação da passagem de Hb 4, 14-16:
“Tendo, portanto, um
Sacerdote eminente que penetrou nos céus, Jesus, o Filho de Deus, conservemos
firme a confissão de fé. De fato, não temos um Sumo Sacerdote incapaz de
compadecer-se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós,
exceto no pecado. Vamos, pois, confiantes ao trono da graça, a fim de alcançar
misericórdia e encontrar graça para ser ajudados em tempo oportuno”.
E como não evocar ainda,
por associação, o prólogo de São João onde nos apresenta o Verbo Encarnado como
“O Filho Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”, isto é, de amor
misericordioso e fiel, de “cuja plenitude todos nós recebemos graças sobre
graças” (Jo 1, 14-16)?
Além disso, a arte
iconográfica exprimiu por vezes este mistério com mais profundidade e finura do
que certas teologias acadêmicas. Tal acontece na tradição iconográfica do Ocidente,
quando apresenta e representa como que numa estética teológica o mistério
Trinitário no madeiro da Cruz. É como uma síntese plástica desta teologia: o
Pai que entrega o Filho para ser solidário com os homens, e sofre na dor do seu
amor; o Filho que se entrega a si próprio totalmente pela multidão dos irmãos;
a pomba do Espírito de Amor que sustenta o Filho na sua entrega e que, por sua
vez, é entregue pelo Filho à humanidade como dom do seu amor sofredor. É este
mistério de amor que celebramos na Eucaristia.
Conclusão
Graça e Misericórdia,
Graça do Amor misericordioso, é esta, portanto a síntese da mensagem de Fátima
e da revelação do Deus compassivo que, no Seu Amor Trinitário, se inclina sobre
todos os sofrimentos humanos, sobre a humanidade para fazer-lhe sentir toda a
Sua ternura, para Se manifestar como Pai Amoroso de toda a criatura.
Compreendemos então como
o Papa São João Paulo II, recordando o octogésimo aniversário das aparições de
Fátima, escrevia, numa mensagem ao bispo local:
“Às portas do Terceiro
Milênio, observando os sinais dos tempos neste século XX, Fátima conta-se
certamente entre os maiores, até porque anuncia na sua Mensagem muitos dos
sinais sucessivos e convida a viver os seus apelos; sinais como as duas guerras
mundiais, mas também grandes assembleias de Nações e Povos sob o signo do
diálogo e da paz; a opressão e as convulsões vividas por diversos países e
povos, mas também a voz e a vez dadas a populações e gentes que entretanto se
levantaram na arena internacional; as crises, as deserções e tantos sofrimentos
dos membros da Igreja mas também um renovado e intenso sentido de solidariedade
e de recíproca dependência no Corpo Místico de Cristo, que se vai consolidando
em todos os batizados...; o afastamento e abandono de Deus da parte de indivíduos
e sociedades, mas também uma irrupção do Espírito de Verdade nos corações e nas
comunidades tendo-se chegado à imolação e ao martírio para salvar a “imagem e
semelhança de Deus no homem” (Gn 1,27), para salvar o homem do homem. De entre
estes e outros sinais dos tempos, como dizia, sobressai Fátima, que nos ajuda a
ver a mão de Deus, guia providente e Pai paciente e compassivo também deste
século XX”.
À luz destas chaves
hermenêuticas, Fátima apresenta-se como um sinal de Deus para a nossa geração,
uma palavra profética para o nosso tempo, uma intervenção divina na história
humana mediante o rosto materno de Maria. Quando Maria se move para uma missão
recebida de Deus, nunca é por algo de pouca importância ou por questões
marginais, já que se trata sempre do grave problema do destino do mundo e da
salvação dos homens.
Pensando bem, portanto,
as coordenadas da mensagem de Fátima são amplas e contêm teologicamente uma
profecia à luz da escatologia. “A profecia, no sentido bíblico do termo, não
significa predizer o futuro, mas sim aplicar a vontade de Deus ao tempo
presente, e, por conseguinte, indicar o caminho reto do futuro”.
Por outro lado, as
vicissitudes da humanidade e da Igreja devem ser submetidas ao critério
escatológico ou do fim último. Somente abrindo os horizontes sobre a eternidade
e proclamando a esperança teologal é possível iluminar o sentido da história
aberta ao futuro de Deus e opor-se ao mal que ameaça a humanidade.
Neste sentido, na
mensagem de Fátima a premonição do “juízo” que impende sobre o mundo como
possibilidade de autodestruição infernal, isto é, de acabar reduzido a cinzas,
é anunciada juntamente com a esperança de vencer o mal a partir da nossa
conversão a Deus. A mensagem de Fátima é, portanto, advertência e, ao mesmo
tempo consolação da esperança teologal: o mal é vencido pelo amor Trinitário
revelado na cruz e ressurreição de Jesus, e pelo amor de Maria por nós.
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