Fátima: Aparição, visão, reflexão

O centenário das aparições da Virgem Maria em Fátima está no centro de três textos publicados ontem e hoje por colunistas católicos em meios de comunicação generalistas de difusão nacional.
O P. Gonçalo Portocarrero de Almada analisa no "Observador" as entrevistas recentes do bispo D. Carlos Azevedo (cf. novo livro em "artigos relacionados") e do P. Anselmo Borges sobre o tema, salientando que a «distinção entre aparições e visões», aludida por ambos, «não é nenhuma novidade».

«Como recordou Bento XVI, quando era cardeal perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé, “a antropologia teológica distingue, neste âmbito, três formas de perceção ou "visão": a visão pelos sentidos, ou seja, a perceção externa corpórea; a perceção interior; e a visão espiritual», explica.

O texto recorda que nos Evangelhos «se recorre com frequência a metáforas que facilitam a compreensão dos mistérios da fé: é óbvio que o inferno não pode ser fogo, nem o céu um banquete e, quando Jesus diz que ele é “a videira verdadeira” (Jo 15, 1), não se está a atribuir a si mesmo uma natureza vegetal».

Depois de citar novamente o cardeal Ratzinger - as imagens delineadas pelos pastorinhos «não são de modo algum mera expressão da sua fantasia, mas fruto duma perceção real de origem superior e íntima» - o sacerdote conclui que «o seu valor não é menor do que se se tivesse tratado, em sentido técnico, de autênticas aparições, pois “tem uma força de presença tal que equivale à manifestação externa sensível”».

João César das Neves, também mencionando as posições de D. Carlos Azevedo e do P. Anselmo Borges, começa por declarar no "Diário de Notícias" que «a única coisa que interessa em Fátima é Nossa Senhora, o que Ela disse e o que Ela fez. Sem a sua presença, Fátima deixa de existir».

«Em Fátima, ninguém tocou a Senhora, nem Ela comeu nada. Aliás, se tivesse corpo, toda a gente que ali estava a teria visto, e não apenas as três criancinhas. Tratou-se portanto de uma "visão", algo que se manifesta de forma não física e apenas a algumas pessoas. Esta distinção, usando a "linguagem exata" e teológica, é muito interessante, mas, dita de forma apressada e sem explicação adequada, gera naturalmente dúvidas e confusões», considera o colunista.

Para o Fr. Bento Domingues, «o que mais falta não é só a revisão crítica da pastoral católica da época» das aparições: «Desamparada, em Portugal, de uma prática crítica de reflexão teológica até ao Vaticano II, e até muito depois, Fátima dá uma imagem do catolicismo português que não corresponde à reforma desencadeada pelo Papa Francisco».

Os «pesadelos do Inferno, evidências do Purgatório e tristezas do Limbo» que povoaram a infância do religioso dominicano são evocadas no início do texto que escreve hoje no "Público" e depois retomadas com a releitura das "Memórias" de uma das videntes, Lúcia de Jesus.

A edição crítica deste volume, «as investigações históricas já realizadas e em curso, vão oferecer um panorama da vida e religiosidade da freguesia de Fátima que irão atenuando os delírios» sobre os «fenómenos nomeados como aparições ou como visões». Ao santuário, conclui, «falta-lhe ser o centro» da evangelização em Portugal.


Fontes: "Observador", "Diário de Notícias", "Público"
Publicado em 30.04.2017

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